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Por Murilo Herculano

26/07/2023 16:30

Mundo

‘Parecia o fim do mundo’: as vítimas esquecidas da 1ª explosão de teste de bomba atômica nos EUA

Pouco depois que o secreto Projeto Manhattan detonou o primeiro protótipo da bomba atômica, em julho de 1945, — um evento agora revivido pelo elogiado filme Oppenheimer — alguns tanques Sherman entraram no local da explosão.

Nesses veículos militares de metal, similares aos que estavam sendo usados ​​ao mesmo tempo na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial, pessoas em trajes de proteção foram ver o que havia acontecido no terreno e colher amostras.

Isso aconteceu em um ponto no deserto do Novo México chamado Jornada del Muerto, onde o protótipo da bomba, chamado The Gadget, causou uma das maiores explosões da história da humanidade.

O sucesso levou ao fato de que dias depois, em agosto, os Estados Unidos lançaram duas bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, encerrando assim a Segunda Guerra Mundial.

Os cálculos mais conservadores estimam que até dezembro de 1945 cerca de 110 mil pessoas morreram em ambas as cidades.

À frente do Projeto Manhattan estavam Robert Oppenheimer, mais tarde batizado como o “pai” da bomba atômica e cuja história chegou ao cinema na semana passada, e outros pesquisadores que encontraram a chave de como combinar elementos radioativos para gerar uma explosão devastadora.

Eles testaram The Gadget naquele ponto no Novo México porque era um deserto sem habitações por quilômetros ao redor.

Ou assim eles acreditavam, porque na verdade havia alguns fazendeiros — e seu gado — a cerca de 20 km de distância. Mais além, num raio de cerca de 80 km, milhares de pessoas viviam em pequenas cidades, como na Bacia de Tularosa.

Os moradores da região nunca foram alertados de que às 05h30 do dia 16 de julho de 1945, The Gadget estava programado para detonar. E foi tão forte que houve quem viu as luzes a quilômetros de distância nas cidades de Albuquerque e El Paso.

“Contaram para mim como estavam dormindo e foram jogados para fora da cama pela explosão. E que viram uma luz como nunca tinham visto antes, porque o teste realmente produziu mais luz e mais calor que o Sol”, disse Tina Cordova, líder comunitária da região, ao canal público norte-americano PBS em 2021.

“As pessoas pensavam que era o fim do mundo”, acrescentou.

Após o teste, a Base da Força Aérea de Alamogordo divulgou um comunicado à imprensa relatando: “Um depósito de munição localizado remotamente contendo uma quantidade significativa de explosivos e pirotecnia explodiu, mas não houve perda de vidas ou pessoal [da base]”.

“As condições climáticas que afetam o conteúdo dos projéteis de gás detonados pela explosão podem tornar conveniente para o Exército evacuar temporariamente alguns civis de suas casas”, continuou a nota, segundo o jornal The Albuquerque Tribune, que noticiou na época.

A declaração não ofereceu explicação ou aviso sobre a perigosa radiação gerada no local da explosão.

“Imediatamente após o teste, a nuvem resultante se moveu através e além da paisagem local, disseminando muitos radioisótopos diferentes. Isso incluiu produtos de fissão, como estrôncio, tecnécio e césio; e produtos de ativação produzidos pela irradiação de materiais no dispositivo, na torre de teste e nos arredores”, explica William Kinsella, pesquisador do caso na Universidade da Carolina do Norte, à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).

O breve comunicado antevia a possibilidade de uma evacuação — o que nunca foi feito — devido a um risco que seria comprovado em todo o mundo muito tempo depois: que a nuvem de gases gerada pelos testes nucleares era altamente capaz de contaminar.

Especialmente para aqueles que mais tarde seriam chamados de downwinders — as pessoas que viviam em vários estados dos EUA a favor do vento da área de testes nucleares no Novo México.

Na direção do vento
O Projeto Manhattan escolheu aquele local no deserto do Novo México para realizar o chamado teste Trinity por se tratar de um ponto desabitado na década de 1940 e com um padrão climático previsível, o que permitiria ter maior controle sobre a explosão e seus efeitos.

No entanto, a detonação foi mais poderosa do que o esperado, com uma nuvem de partículas entre 15.000 e 21.000 metros de altura.

A presença das emissões foi detectada a milhares de quilômetros de distância, em 46 estados dos EUA, assim como no sul do Canadá e no norte do México, segundo um novo estudo publicado neste mês.

Uma área de 400 km de comprimento por 320 km de largura a nordeste do local da explosão foi a mais atingida. A maior concentração de precipitação radioativa ocorreu em Chupadera Mesa, a 48 km do local do teste.

“Existem muitas comunidades downwinders diferentes no mundo, ou talvez uma comunidade downwinder muito grande com muitas subcomunidades. Existem aquelas afetadas pelo teste Trinity, aquelas afetadas por testes subsequentes nos territórios dos EUA e do Pacífico dos EUA e aquelas afetadas por testes de outras nações com armas nucleares”, explica Kinsella.

Isso ficou claro anos depois, porque nada se sabia de imediato: o governo dos Estados Unidos havia informado que se tratava de uma detonação de “explosivos de alta potência e pirotecnia”.